por Jacob Melo em 3, Novembro 2011 às 1:20 PM
Para acompanhar e entender a reflexão de Jacob veja também as parte I, parte II, parte III e parte IV.
“O silêncio é uma prece (ou oração)”.
A frase acima está repetida em avisos afixados ou pintados, dentre outros locais, em muitas Casas Espíritas e hospitais, no visível intuito de pedir às pessoas que não façam barulho. Sua sentença, entretanto, arremete à ideia de sublimidade pelo simples ato de calar ou não provocar ruídos, como se o silêncio fosse tudo. Essa generalização pode criar distorções reais, pois há quem não faça barulho exteriormente audível, embora sua postura interior provoque verdadeiros estrondos psíquicos, perturbando a “energia” ambiental de maneira grave; por conta disso, o silêncio, por si só, não deveria ser entendido como a realização de uma prece. Afinal, nem sempre ele traduz isso.
Veja-se o caso do silêncio covarde. Embora ele não atenda necessariamente ao apelo da frase, quando silenciamos ante fatos equivocados, ações e atitudes lesivas ao interesse geral, quando nos calamos por conivência com o erro, jamais, jamais mesmo, esse silêncio estará originando o que uma prece deve proporcionar. Esse tipo de silêncio é totalmente diferente do que envolve uma oração real, sentida, recolhida, profunda, viva!
Os cristãos das primeiras horas, mesmo sabendo que renegar o Senhor poderia salvá-los da pena de morte, deram vozes às suas convicções, como a imitar Jesus quando, ao ser questionado por Pilatos acerca de sua realeza - o principal motivo das acusações que pesavam sobre ele - no lugar do silêncio preferiu dizer ao seu julgador: “Tu o dizes; sou Rei”. Ele, que em outras ocasiões se calou para não rebater caluniadores (Mateus 27, 62 e 63), não usou do direito de ficar calado; falou, alto e bom som, não apenas que era o Rei, como ainda atribuiu aquele reconhecimento ao seu principal juiz. Tal como Jesus agiu ante a Verdade, o silêncio covarde não dominou seus seguidores das primeiras horas.
Juntando essas observações, mas também destacando que ‘falar por falar’ não é construtivo nem deve ser tomado como boa regra, afirmo desconfiar que a disseminação daquela frase, a qual iguala o não-ruído à prece, tenha propósitos mais fortes do que simplesmente pedir calar a boca; mais do que isso pode ser uma clara insinuação a ficarmos sem emitir juízos ou questionamentos ante o que quer que seja, mesmo que isso gere maiores problemas no amanhã, nos outros. Se, de fato, assim for terei ainda menos motivos para tomar o aspecto de prece destacado na sentença.
Logicamente que os defensores da frase, com boa razão, defenderão que o sentido da mesma não indique devamos ficar derivando de sua essência, mas não podemos negar a ninguém o direito de pensar sobre o que lê, vê, ouve ou sente. Assim, me permito refletir a respeito, como acabei de fazê-lo.
Mas também quero tratar aqui de uma outra frase constantemente dita em Casas Espíritas: “Nos passes (ou melhor, no passe espírita), basta fazer imposição/ções (de mãos)...”. À frase costuma haver um acréscimo, quase obrigatório: “... como fazia (ou ensinou) Jesus”. A verdade que se esconde por trás dessa regra é clara: definir e limitar toda a ação dos passes, sem um mínimo de reflexão em cima dessa ‘verdade’; é uma espécie de ordem para que o silêncio seja a resposta às eventuais dúvidas daí surgidas. A ‘vantagem’ mais explícita dessa frase (a qual, mesmo não sendo dita está liminarmente clara) é um acomodar administrativo, pois fica fácil ‘controlar’ e ‘fiscalizar’ os passistas; a grande desvantagem (igualmente não dita): restringe-se drasticamente o alcance do Magnetismo.
Tenho aqui pelo menos dois pontos a destacar. O primeiro deles é uma pergunta: quer dizer então que existe mesmo um passe espírita? Se sim, quem o definiu como tal? Poderiam, as pessoas que defendem tal idéia, apresentar onde o senhor Allan Kardec ou os Espíritos da base espírita fizeram tal qualificação? E, aproveitando o pedido, será que poderia ser explicitamente definido o que é mesmo um passe espírita??? Pergunto isso porque tudo leva a crer que tal tipo está muito longe do que seja o que Allan Kardec e os Espíritos Superiores ensinaram. Quem sabe, talvez justifiquem, surgiu algo mais novo e melhor do que eles nos legaram e eu ainda não tive acesso... E você que me lê, saberia, de verdade, o que é o passe espírita? Será que ele atua junto a quem precisa, mesmo se quem precise não tenha fé, religião nem comportamento moral equilibrado? Será que se esse passe curar alguém ou algum mal, não estaria contrariando a ‘lei do carma’, a qual, embora não seja da teoria espírita, costuma ser aventada por quem não quer saber do Magnetismo? Resumindo, não gosto desse título: passe espírita. Até já o usei no passado, mas o abomino inteiramente, por ser inconsistente e gerar uma busca por algo que, de fato, inexiste.
Outro ponto: existe um movimento muito intenso na direção de que essa frase (Nos passes (ou melhor; no passe espírita), basta fazer imposição/ções de mãos...) seja dita, repetida, tida e cobrada como de essência divina, como sendo o ápice do Espiritismo no terreno das curas. E não faltam explicações: além da que se atribui seja uma verdadeira aplicação prática dos ensinos de Jesus, temos outras igualmente usuais como “uma imposição transmite o fluido bom substituindo o ruim de forma natural”, “uma imposição no coronário (alto da cabeça) faz com que esse centro distribua todos os fluidos para onde se tem necessidade deles”, “nas imposições os Espíritos dirigirão os fluidos, pois ‘quem somos nós para sabermos o que fazer?’!”, “fazer mais do que imposição é querer ser possuidor de qualidades e conhecimentos que não temos condições de possuir”, “se uma imposição não resolver é porque o paciente (assistido) não tem merecimento”... Para os que defendem só a imposição de mãos existe uma pergunta que preferem não seja feita nem muito menos oferecem uma resposta sequer contendo um mínimo de coerência; a pergunta é: mas se o passe se fundamenta no Magnetismo e esta ciência nos fornece condições de estudar, aprender, dominar e realizar grandes feitos em prol dos carentes e dos que necessitam de ajuda, por que devemos ficar limitados a um gesto, sem sequer refletir nos efeitos do que se sugere?
As recomendações de ‘só imposições’ são destituídas de qualquer base lógica, científica, racional e até mesmo religiosa – a menos que se limite o sentido religioso a gesto ou ritual de imobilidade e que a subserviência à Vontade Divina seja apenas o “deixar como está para ver como é que fica”. Querer imitar Jesus apenas em gestos é, no mínimo, ingenuidade imperdoável para quem lida com uma Doutrina da dimensão da Espírita. Portanto, não importa que seja Jacob Melo ou qualquer outro autor, pessoa, encarnado ou desencarnado, instituição, dirigente, médium ou quem quer que seja que traga o simplório para substituir uma ciência. Ciência é ciência; não é achismo, não é invencionice, nem muito menos tão-somente imitação, como tão-pouco é decreto ou norma administrativa.
Exemplificando com um caso, no ano passado um amigo meu assistiu a uma palestra espírita na qual o expositor falou que em termos de passes devemos fazer apenas como Jesus fazia, ou seja, só impor as mãos. Depois da palestra, num bate-papo informal com aquele expositor, quis saber em que se fundamentava aquela sugestão e a resposta foi de que: - Tem gente querendo complicar o que é simples, pois basta seguir os exemplos de Jesus. Meu amigo replicou. - Então tenho uma sugestão pra você; faça o seguinte: em suas palestras sobre desobsessão ensine a se fazer apenas o que Jesus fazia. Meio sem entender, o expositor perguntou: - Como assim? E o meu amigo respondeu: - Simples; ensine que basta nos aproximarmos do obsidiado e digamos ao obsessor: ‘Afaste-se daqui, satanás’ e tudo ficará resolvido. Contou-me esse amigo que o expositor ficou muito aborrecido... Claro que ele – e os defensores da mesma ideia – ficam aborrecidos com uma argumentação desse tipo, sobretudo porque eles vão ter que desdizer o que sempre afirmaram, além de terem sido ‘desafiados’ em suas lógicas com idêntico argumento que usam; e isso tem muito peso porque evidencia que, para eles, suas argumentações só são consideradas válidas apenas quando lhes interessam.
Se alguém nos diz para não construirmos casas, pois antigamente se vivia em cavernas, certamente estará proferindo absurdo destituído de qualquer bom-senso. Todavia há quem pense que isso seria uma boa ideia... De igual modo querer insinuar que uma cirurgia pode ser substituída, em qualquer caso, por um simples curativo é superestimar o curativo e subestimar a razão de quem ouve, além de sujeitá-lo às gravidades daí decorrentes e, por fim, culpar o Criador pelo insucesso que virá... Imaginar que reduzir o Magnetismo a um único gesto – e sendo realizado dentro do reduzido tempo que jamais excede a 2 minutos –, contando apenas com uma vontade incipiente e insegura será capaz de realizar o que pede todo um conjunto de conhecimentos, experiências, estudos e vivências é ridicularizar algo que, por algum motivo, não se quer ver, saber, divulgar ou empregar em benefício do próximo. Como se isso não bastasse, ainda ‘reza a tradição’ de que não se deve discutir ‘esse tipo de assunto’.
É certo que um dia chegaremos aonde Jesus já chegou, mas convenhamos, ainda falta muito chão, tem muito tempo pela frente até que uma simples imposição de mãos nossa seja tão poderosa... Por outro lado, quem foi que disse mesmo que Jesus só fazia imposições? Quem??? E será que quem falou isso já leu o Novo Testamento? Pois se leu, não percebeu nem o literal do texto, muito menos o que está além da letra. Portanto sua palavra está eivada de inconsistências...
O Espiritismo é o Consolador Prometido por Jesus (João, 15; 26), isso é quase unânime em nosso meio. Mas está certa uma amiga quando diz que no atual movimento espírita tem gente querendo transformar o Consolador no Controlador; pelo menos é o que pretendem muitos dirigentes e faladores do Espiritismo. A contribuir com esse estado de coisas tem o silêncio dos que veem e calam, sabem e dissimulam, percebem as distorções e não agem, descobrem o regime de hipocrisia e falsidade e fingem nada ver ou saber... Esse silêncio covarde faz com que esse tipo de regra, que anula toda a parte científica do Espiritismo, essa postura de “lobos em vestes de cordeiros”, que os destroçadores da pura e verdadeira Doutrina Espírita escancaradamente expõem, tem provocado muito mais comprometimentos na base da Doutrina do que quaisquer outros adversários jamais pensaram poderiam conseguir realizar. O que fazer então: calar e pensar que isso é uma oração? Aceitar distorções na obra de Kardec por crer-se consolador? Aceitar os ataques dos lobos de fala mansa (que costumo chamar de beiços-moles) e sermos por eles devorados, deixando todo o rebanho entregue à fome de falso saber e insustentável poder que almejam perpetuar?
Não estou querendo fazer do verbo uma arma de agressividade gratuita, mas não dá para ficar calado quando pessoas que deveriam esplanar, explicar, iluminar, esclarecer e bem destacar o Espiritismo ficam distorcendo o bem, manipulando palavras e frases por interesses descabidos ou inconfessáveis, excluindo o que a parte da Ciência Espírita tão bem enseja, quando visivelmente querem fazer do Espiritismo nada além de uma igrejinha, onde se vai buscar favores espirituais e aparentar reformas que não se consolidam... Não, não e não! Não é para isso que veio o Espiritismo. Urge que as vertentes da Filosofia e da Ciência voltem a existir na vivência espírita para que, a bem da verdade, a Verdade e a Luz voltem a ser bênçãos para todos.
Quero encerrar este artigo lembrando o grande apóstolo Paulo de Tarso: “irmãos, quanto ao modo de julgardes, não sejais como crianças; quanto à malícia, sim, sede crianças, mas, quanto ao modo de julgar, sede adultos.” (I Cor 14:20). Espero estar julgando dentro do padrão adulto. Se, entretanto, estiver me equivocando, pelo menos tenho a esperança de que alguns pensarão ou repensarão a forma de viver, sentir, aprender e ensinar o Espiritismo.
Até o próximo artigo.
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