Richard Simonetti - richardsimonetti@uol.com.br
"A ciência poderá ter achado a cura para a maioria dos males, mas não achou ainda remédio para o pior de todos: a apatia dos seres humanos."
Antes de identificar o autor dessa frase bem-humorada, um teste, leitor amigo:
Coloque uma venda grossa nos olhos, impedindo qualquer vislumbre de claridade.
Ponha tampões nos ouvidos, que neutralizem inteiramente as ondas sonoras.
Sele a boca com uma fita crepe.
Experimente ficar assim alguns minutos.
Terá idéia do que é perder o contato com o mundo exterior.
Não obstante, em pensamento transitará por um universo de formas, imagens, sons, pessoas, objetos, formado por suas lembranças.
Imagine, porém, que desde a mais tenra idade, você houvesse perdido a possibilidade de ver, ouvir e falar.
Cego, surdo e mudo!
Além da impossibilidade de contato com o mundo exterior, haveria o caos interior, praticamente vazio de experiências visuais e auditivas.
Uma existência justificadamente apática, instintiva, pior que a de qualquer animal, já que este vê, ouve, comunica-se com seres da mesma espécie.
***
Pois saiba que o autor daquela frase, mais exatamente a autora, viveu esse drama.
Não obstante, por prodígios de que o Espírito humano é capaz, transformou-se em marcante exemplo de que é possível vencer a adversidade, superar a inércia e dar significado e objetivo à existência.
Nossa heroína é Hellen Keller (1880-1968), escritora e conferencista americana.
Isso mesmo! – escritora e conferencista, autora de artigos para a imprensa e livros famosos, como Minha Vida de Mulher, A História de Minha Vida e Diário de Hellen Keller.
Cega, surda e muda, em virtude de um mal não bem definido, contraído quando era um bebê, vivia isolada em seu terrível mundo sem som e imagem, tratada como um animalzinho de estimação por adultos compadecidos de sua sorte.
Sua vida começou a mudar aos sete anos.
Graças aos esforços de uma professora contratada para ajudá-la, Anne Sullivan, conseguiu estabelecer contato com o mundo exterior pelo tato. Aprendeu que havia uma conexão entre o que tocava e um símbolo que o representava, a palavra.
Substituiu os ouvidos pelo tato.
Com a mão esquerda tocava o objeto; com a direita encostada nos lábios de Anne ouvia e o identificava.
Um novo prodígio logo aconteceu: aprendeu a falar, algo até então considerado impossível a um surdo. Como pronunciar palavras e sons nunca ouvidos? Pois ela conseguiu! E seguiu em frente, com sua vocação para romper fronteiras.
Aprendeu a ler e escrever em Braille. Frequentou escola para jovens normais e formou-se com distinção.
Escrevia em inglês e francês, mantendo correspondência com pessoas famosas e com deficientes físicos que tinham nela o grande estímulo para enfrentar seus problemas, já que nenhum deles tinha tão graves limitações.
Tornou-se conferencista, percorrendo vários países, num ingente trabalho em favor dos carentes de todos os matizes, particularmente cegos, surdos e mudos, mostrando que é importante seguir adiante, na viagem da existência, mesmo quando se estreitam os caminhos.
Esteve no Brasil em 1953 para conferências e contatos com entidades dedicadas a treinar deficientes físicos.
Numa palestra, no Hospital das Clínicas, em São Paulo, com a presença de médicos e estudantes de medicina, alguém lhe perguntou:
– O que você gostaria mais de ver, se Deus lhe desse visão por cinco minutos?
– As flores, o pôr do sol e o rosto de uma criança.
Emocionante, leitor amigo! Costumamos esquecer essas maravilhas, às voltas com preocupações e interesses que nos fazem perder o melhor da Vida.
Ao retornar aos Estados Unidos, deixou uma mensagem aos brasileiros, onde destaca:
Caros amigos do Brasil, agora que me despeço de vocês, deixem-me pedir-lhes, a todos, homens e mulheres, que tomem parte ativa no programa de assistência de seu país em favor dos cegos e outros grupos desfavorecidos.
Ajudem a estender este glorioso trabalho por toda a América Latina, e quando estiverem cumprindo esse objetivo poderão sentir a alentadora satisfação de estar fazendo aos outros o que gostariam que os outros lhes fizessem; e o Senhor, que zela pelos desfavorecidos, os abençoará.
***
Como ensina a Doutrina Espírita, não há inocentes na Terra.
Vivemos num planeta de provas e expiações, onde o egoísmo, agente das ações humanas, gera intermináveis situações cármicas que nos afligem, no suceder dos dias, dos anos, das existências…
A única distinção que podemos estabelecer diz respeito à natureza de nosso resgate.
Expiação ou prova?
Expiação: aqueles que enfrentam dificuldades e dores impostas pelas leis divinas, como sentenciados conduzidos compulsoriamente à prisão. Costumam debater-se, enveredando pelos domínios da revolta, da inconformação, da rebeldia…
Provação: aqueles mais conscientes, que planejaram seu resgate, buscando transformá-lo em experiência edificante para si mesmos e para os outros.
Estes, mesmo submetidos aos piores sofrimentos, mesmo quando o caminho se estreita, seguem em frente, firmes em seus propósitos, resgatando o passado, construindo o futuro de bênçãos com o esforço do bem, oferecendo gloriosos e edificantes testemunhos.
Hellen Keller foi um deles.
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